A velha moralização dos pobres é a novidade do MDS do governo Temer

Programa propõe a educação financeira dos pobres

Jucimeri Isolda Silveira
Assistente social, pesquisadora, professora da PUCPR

Com o avanço do conservadorismo no Brasil e ameaça à democracia, num contexto de congelamento dos recursos com a Emenda Constitucional nº 95, de desmonte dos sistemas públicos, de contrarreformas que aprofundam a desigualdade, a pobreza e outras violações de direitos humanos, como o trabalho infantil, propostas retrogradas, focalistas e meritocráticas voltam a ocupar a esfera pública.

O governo federal lançou o “Programa de educação financeira” voltado aos beneficiários do Bolsa Família para “melhorar a gestão do orçamento familiar, quebrar o ciclo da pobreza entre gerações e garantir o bem-estar de milhares de brasileiros beneficiários do Bolsa Família”, metas que “fazem parte do programa Futuro na Mão: dando um Jeito na vida financeira, lançado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), nesta segunda-feira (14), em São Paulo (SP)”.

O programa é considerado pelo Ministro Alberto Beltrame como uma “inovação”, e um “dos maiores programas de educação financeira voltado para famílias de baixa renda do mundo”.

As oficinas serão desenvolvidas nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras), no âmbito do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), de modo a contemplar “formação de reservas, planejamento financeiro e controle de dívidas”. Já na primeira oficina as famílias vão receber os “Cofrinhos da Família”, que são “destinados a armazenar o dinheiro para despesas do dia a dia, emergências e os sonhos e projetos da família”. No segundo ciclo, de planejamento financeiro, as mulheres vão receber a “Agenda da Família”, que possuem “divisórias e adesivos coloridos que ajudam a visualizar as fontes de renda e os tipos de gastos da família”. Finalmente, as famílias recebem um carteira e duas cadernetas para justamente anotar as entradas e saídas de dinheiro, “compreendendo as dívidas e evitando a inadimplência”.

O projeto piloto abrangendo cerca de 200 trabalhadores e 3000 famílias permitiu o Ministério de Desenvolvimento Social concluir que 75% das famílias melhoraram a “capacidade de cobrir os gastos com emergências usando suas próprias reservas, evitando o endividamento, e 39% passaram a “criar uma poupança ou reserva em dinheiro”.

Em reunião da Comissão Intergestores Tripartite, ocorrida no dia 16 de maio, gestores questionaram o Programa anunciado na mídia sem devida pactuação. O Secretário Nacional de Renda e Cidadania Tiago Falcão defendeu que este programa responde às criticas ao Bolsa Família, quanto à ausência de educação financeira. Alega que o projeto-piloto comprovou que os beneficiários “guardavam suas moedinhas” e passaram a apresentar um “comportamento melhor no uso de cartão de crédito”. Com as novas “tecnologias sociais” os beneficiários “vão anotar seus gastos, seus sonhos e guardar seus extratos de compras”, o que permitirá um perfil “mais interessante para suas carências e necessidades”

A Secretária Nacional de Assistência Social Carminha se sentiu contemplada com um pronunciamento de defesa do programa de uma gestora municipal (o que é comum dado o conservadorismo na área), já que o mesmo não é uma obrigação e sim uma opção, e se demonstrou incomodada com as críticas de gestores pelo fato do programa vir como um informe e não para pactuação, alegando, ainda, que os gestores estão transformando “as pactuações numa prisão”.

O que temos presenciado na assistência social é um desrespeito ao comando Constitucional da democracia participativa. Participar, pactuar e deliberar não é uma concessão. O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é um sistema público estatal, o que implica ordenamentos normativo-jurídicos, serviços padronizados, continuados e territorializados; pacto federativo; financiamento público; controle democrático. Nas demais políticas alterações que implicam responsabilidades cooperadas, novos dispositivos e programas, devem passar pelas instâncias de participação, com todas as ressalvas, tendo em vista os desmontes igualmente destrutivos.

As propostas higienistas de controle dos pobres não é uma novidade, já que as primeiras iniciativas no Brasil foram desenvolvidas na década de 1920/30 destinadas, especialmente, ao atendimento materno-infantil, o que se aprofundou no processo de industrialização e urbanização, de gênese da questão social e de intervenção progressiva do Estado.

Educar os pobres que recebem a “grande” complementação de renda é a prioridade para aqueles que defendem uma assistência social orientada pela perspectiva liberal, gerencialista e meritocrática. As famosas “portas de saídas” com as “generosas” ofertas do Estado benfeitor propostas por este governo, substituem políticas públicas integradas como o acesso ao microcrédito; a inserção no mundo do trabalho pela qualificação profissional, econômica solidária e outras inciativas produtivas; a agricultura familiar e a segurança alimentar; além de políticas econômicas que desonerem o trabalho, gerem renda e empregos. Mais do que isso, demostram a perversidade da elite que coloniza o Estado e entende o direito como outorgar, concessão, e não como conquista parcial, diante da desigualdade histórica, aprofundada num contexto de golpe.

Entretanto, é preciso reconhecer que este programa é coerente com os demais programas pontuais que estão assolapando e desmontando o Sistema Único de Assistência Social, notadamente o Criança Feliz e as demais propostas como o Bolsa Dignidade, que espera condicionar o recebimento de variável pelo cumprimento de contrapartidas como o trabalho voluntário.

Mas, a resistência sempre foi o motor das transformações e conquistas em direitos e políticas públicas. Cabe às/aos trabalhadoras/res e organizações da área, recusar, o que é perfeitamente possível no Estado Democrático de Direito, uma proposta moralizadora das famílias em situação de pobreza que além de poupar e prestar contas do que fazem com o bolsa família, vivem a insegurança do amanhã, as consequências do desemprego, e do Estado gerencial para os interesses mercado, e punitivo para os pobres.

 

Fonte da notícia sobre a cartilha: http://mds.gov.br/area-de-imprensa/noticias/2018/maio/programa-de-educacao-financeira-sera-voltado-as-beneficiarias-do-bolsa-familia

 

 

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