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A CF/88 alçou patamar de civilidade ao incorporar a concepção de seguridade social, incluindo a modalidade de proteção social não contributiva pela política de assistência social, como uma das formas de propiciar a dignidade da pessoa humana enquanto direito fundamental e responsabilidade do Estado, em parceria com a sociedade civil, sob a ótica redistributiva e de superação das desigualdades sociais e regionais. Essas garantias vêm se concretizando e ganhando capilaridade e materialidade em todos os municípios brasileiros por meio da efetivação do SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
Na perspectiva de prover a segurança de renda para a população idosa acima de 65 anos e pessoas com deficiência que estão fora do sistema protetivo da previdência social, foi introduzido o Benefício de Prestação Continuada – BPC, fruto da luta social que resultou em previsão constitucional por iniciativa popular, traduzindo o direito ao recebimento de 1 salário mínimo no caso de não possuírem meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (art. 203, CF/88). No caso do idoso a LOAS estabelece como critérios para acesso a idade mínima de 65 anos e a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Para as pessoas com deficiência é acrescida a avaliação médica e social da deficiência e o grau de impedimento. Atualmente em torno de 4,3 milhões de pessoas recebem o benefício, sendo 45% de idosos e 55% de pessoas com deficiência, totalizando um investimento em torno de R$ 45 bilhões anuais.
Trata-se de um benefício socioassistencial que, apesar esboçar critérios bastante focalizados, vem juntamente com os benefícios previdenciários (aposentadorias e auxílios), o Programa Bolsa Família e a oferta de serviços públicos, produzindo impactos na redução da pobreza entre famílias em situação de vulnerabilidade social com a presença de crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Dados do IBGE demonstram a queda do percentual de 22,9% em 1995 para menos de 2% em 2013. Ademais, tais medidas viabilizaram, ainda, a oportunidade do acesso a bens, serviços e riquezas socialmente produzidas.
Ocorre que, a despeito de todos os avanços conquistados no processo de construção de uma ordem societária voltada para a busca de equidade e justiça social no espectro dos direitos humanos, opção da sociedade brasileira quando da aprovação da Constituição Federal de 1988, inclusive apoiada por esse Conselho, e frente a um elenco de desafios ainda a serem superados no enfrentamento das vulnerabilidades e riscos sociais – conforme identificados nas Conferências e assimilados pelos Planos Decenais – o atual governo vem apresentando propostas de alterações constitucionais que rompem com o compromisso de solidariedade inscrito na Carta Magna, retirando direitos dos trabalhadores e firmam um pacto de sujeição à financeirização do capital.
Nessa conjuntura adversa é preciso que os mecanismos de controle social democrático, instituídos no âmbito da Seguridade Social, dentre os quais se destacam os conselhos de políticas setoriais, em particular o CNAS e o conjunto de conselhos estaduais e municipais estejam atentos às ponderações elencadas por estudiosos na matéria (academia, associações de classe, movimentos sociais, etc.) que se contrapõem às narrativas que justificam um anunciado déficit financeiro, cujo reequilíbrio fiscal ocorreria pelo corte dos gastos públicos nas políticas de assistência social, de saúde e, em especial, correções em possíveis fraudes do sistema previdenciário.
Se o problema é a escassez de recursos para garantir a proteção social que já é mínima no Brasil, é importante que se cobre uma auditoria nas receitas e despesas da seguridade social para conferir transparência ao povo brasileiro. É importante que se registre o total de recursos destinados ao orçamento da seguridade social, ou seja, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o PIS/PASEP, contribuições sociais sobre concursos de prognósticos (loterias), para além das contribuições dos trabalhadores e empregadores (Contribuição Previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social – RGPS).
Também é importante que se investigue sobre o montante das renúncias fiscais, tanto adquiridas por desonerações tributárias autorizadas para determinados setores produtivos, como pela concessão do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social – CEBAS, e que não são incorporados como cofinanciamento público indireto. Por fim comparecem as dívidas de empresas públicas e privadas com a União e que não estão sendo passíveis de cobrança, e a autorização da Desvinculação de Receitas da União – DRU, que retira em até 30% os recursos do orçamento específico da seguridade social, permitindo sua utilização em outras despesas, inclusive pagamento de juros da dívida pública.
Sobre a apuração de irregularidades, cabe ressaltar que o TCU e o próprio Conselho, em sua comissão de acompanhamento dos benefícios socioassistenciais (PBF, BPC, benefícios eventuais), identificaram um eficiente sistema de controle e um reduzido número de fraudes em proporção ao quantitativo de beneficiários.
É insustentável e uma barbaridade as propostas de alterações do BPC: ampliação da faixa etária de 65 para 70 anos; desvinculação do valor do salário mínimo; inclusão da aferição do grau da deficiência para decidir sobre o acesso ou não e mudanças na composição familiar, sejam apontadas como medidas que tornam mais atraente a previdência social, sugerindo que trabalhadores não contribuem com a previdência para mais tarde acessaram proteção via assistência social sem o requisito da contribuição. Portanto, é preciso desmistificar os argumentos utilizados para a contrarreforma e denunciar as atrocidades embutidas em cada mudança.
A adoção do critério de 65 anos para acesso ao BPC partiu do reconhecimento das diferentes condições de vida e de trabalho fazem com que se tenha no país possibilidades distintas vivenciadas no processo de envelhecimento e de capacidade de gerar renda a partir de certa idade e de determinadas circunstâncias. Contudo, tal modalidade se vê ameaçada diante das configurações de expectativa de vida sinalizadas pelo IBGE ao apontar que a esperança média de vida do brasileiro em 2014 era de 75,2 anos, a do nordestino de 72, com diminuição considerável para 66 anos em alguns Estados como Maranhão, Piauí e Alagoas, e com situação similar na região norte e nas áreas rurais.
Tal fato evidencia que essas pessoas não atingirão a nova idade mínima exigida para acessar o benefício, e expressa a incoerência do receio de substituição da aposentadoria pelo referido benefício, posto que com critérios atuais já uma parcela significativa de trabalhadores com histórico de contribuição à Previdência Social, estimados em 20%, não conseguem alcançar a carência necessária para assegurar a proteção do sistema contributivo.
Por sua vez, o propósito de desvinculação do valor do benefício pago à correspondência do salário mínimo, reportando a definição do montante à lei regulamentadora, descaracteriza o BPC como uma renda básica para assegurar o sustento de uma pessoa e o conforma com uma “transferência de renda mensal”, assim está escrito na PEC 287/2016 – contrarreforma da Previdência Social, como alerta a Professora da UnB Lúcia Lopes.
Cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal – STF determinou a consideração de outros aspectos que atendam às necessidades humanas dos beneficiários. Em atendimento, a SNAS, em conjunto com a SAGI, elaborou uma proposta que leva em consideração as despesas para manutenção em condições dignas de vida e o nível de dependência de terceiros para seu cuidado. Estudos da SAGI demonstram que, em média o benefício compõe 79% do orçamento das famílias de seus beneficiários e, em 47% dos casos, representa 100%. Em pesquisa realizada junto às pessoas com deficiência ficou sinalizada a existência de uma pessoa da família como cuidador, geralmente a mãe, o que a impede de desenvolver outra atividade, tanto laboral quanto de lazer.
É fundamental que se registre o enorme prejuízo que essas medidas trarão às economias locais de cada município brasileiro, visto que o pagamento dos benefícios previdenciários mais o BPC superam o Fundo de Participação dos Municípios em 71,8% desses entes federados. No caso em particular do BPC, o conjunto de municípios do estado de São Paulo recebem por ano aproximadamente R$ 2,5 bilhões, atendendo a mais de 370 mil idosos e de 320 mil pessoas com deficiência.
Essa PEC 287, articulada à PEC 55 em votação final no Congresso, evidencia que as motivações desencadeadoras das propostas demarcam uma opção política pela vertente da retirada dos direitos sociais da população mais vulnerável e dos trabalhadores em favor do investimento público para atender interesse de acumulação do capital, demarcando uma forte luta de classe. Mas essa não é a única alternativa à crise que o Estado brasileiro vem atravessando. Especialistas apontam que caminho diverso é possível, como a auditoria da dívida pública; a taxação das grandes fortunas já previstas na Constituição; a discussão ampliada com a sociedade para definição das prioridades para uso dos recursos públicos; a revisão dos benefícios tributários; a retomada da reforma tributária; entre tantos outros.
O reconhecimento constitucional de instâncias deliberativas das políticas sociais enquanto instrumentos de viabilização da participação popular e do controle social das ações, normativas, estruturas e cofinanciamento público vem imputar ao CNAS e o conjunto de conselhos estaduais e municipais, diante do atual contexto, a imperiosa necessidade de se debruçar sobre o conteúdo dos projetos de lei em apreciação no Congresso Nacional e desencadear uma mobilização política junto às instâncias do SUAS, esferas decisórias dos Poderes constituídos e sociedade em geral, para assegurar os direitos sociais já conquistados e pautar a agenda pública.
Faz-se imperativo e urgente que o CNAS, em nome dos segmentos que representa se posicione veementemente em defesa dos direitos sociais e se manifeste contrário a qualquer medida que implique e retrocesso e prejuízo à classe trabalhadora, principalmente os mais empobrecidos e subalternizados. O direito à renda das pessoas com deficiência e idosos que não conseguem acessar o sistema de previdência e os tem garantido por meio do BPC há 20 anos não pode em hipótese alguma ser desmontado.
Brasília, 12 de dezembro de 2016.
MARCIA LOPES – ex-ministra, ex-secretária executiva e ex-secretária nacional de assistência social do MDS.
TEREZA CAMPELLO – ex-Ministra do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS
ARLETE SAMPAIO – ex-secretária executiva do MDS
ANA LÍGIA GOMES – ex-secretária nacional de assistência social do MDS
DENISE COLIN – ex-secretária nacional de assistência social do MDS
IEDA CASTRO – ex-secretária nacional de assistência social do MDS
MARIA JOSÉ DE FREITAS – ex- diretora do Departamento de Benefícios da SNAS/MDS
MARIA LUIZA RIZZOTTI – ex-secretária nacional de assistência social do MDS
OSVALDO RUSSO – ex-secretário nacional de assistência social do MDS
ROSILENE ROCHA – ex-secretária nacional de assistência social do MDS
VALÉRIA GONELLI – ex-secretária nacional adjunta de assistência social do MDS