
Em 04/08/2016 aconteceu, no Auditório Antonieta de Barros na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Audiência Pública sobre o Marco Legal da Primeira Infância (que traz um conjunto de ações intersetoriais para crianças de 0 a 6 anos de idade), promovida pela Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembléia Legislativa, com a presença de Deputados catarinenses e o Ministro do Desenvolvimento Social e Agrário Osmar Terra, que apresentou o tema. Gestores e trabalhadores da Assistência Social de todo o estado foram convidados.
A Audiência, apesar de pública, foi apenas uma palestra para ouvintes que não tiveram chance de serem ouvidos. O Ministro, em tom professoral justificou sobre a criação do Programa como base da ação do governo golpista a área social.
Médico de formação, o Ministro se ateve a dar uma aula sobre o desenvolvimento da criança nos primeiros mil dias de vida, apresentando slides do funcionamento dos neurônios, falando da importância da “mãe e da cuidadora” no desenvolvimento da criança.
Com frases medíocres como “políticas públicas se faz com vontade e não com verba” e “Foucault não serve para embasar políticas públicas”, o Ministro, em sua aula de biologia, demostrou a importância da formação da memória nos primeiros dezoito meses de vida, apresentando dados científicos das diferenças de desenvolvimento de acordo com as experiências de relacionamentos interpessoais. Em nenhum momento, o Ministro reconheceu desigualdades sociais, injustiças, as novas formas, contextos e composição das famílias, etc. Este vazio completo de crítica do Ministro expôs o elitismo e o pensamento conservador por trás do Programa Criança Feliz que eles querem lançar à revelia do debate nacional.
Houve momentos nos quais o Ministro expressou sua opinião ao dizer que “nenhuma filosofia é capaz de dar fundamento às necessidades das crianças na atualidade e que é preciso ter o pé no chão e focar nos dados trazidos pela ciência”. Claramente, em sua fala, o Ministro indicou uma busca por “culpados” dos problemas existentes com relação às crianças de nossa sociedade, do tipo “a mãe que brinca com os filhos ajuda no desenvolvimento da criança” e colocando a responsabilidade nos cuidadores sem mencionar sequer qualquer condicionante das questões sociais em sua análise.
Uma das impressões mais fortes que ficou sobre a apresentação foi a tentativa de mixar senso comum com interpretações científicas sempre culpabilizando indivíduos e famílias pelas situações das crianças em sua primeira infância.
Cabe salientar que, além de não trazer uma análise coerente com as reais necessidades e realidades nas quais estão inseridas famílias, mães, pais e cuidadores neste contexto de vulnerabilidades e riscos sociais, ignora que um indivíduo não é apenas um ser biológico adaptável e sim um sujeito em um dado contexto sócio-histórico-cultural.
Na sua explanação, ele citou o projeto de uma cidade do Rio Grande do Sul que está sendo desenvolvido há 11 anos e da importância da Visita Domiciliar para o acompanhamento da criança, que pode ser “feita por Assistentes Sociais ou qualquer pessoa”, de forma identificar como a “mãe” estaria “educando”, interagindo com o filho, e este “agente da Primeira Infância” poderia orientar a mãe neste processo.
Estarrecedor!
Sobre os recursos para o financiamento do Programa, visto que já estamos na marcha ré de recursos para a política de assistência social, ele frisou que trabalhou com o Programa Comunidade Solidária da Ruth Cardoso e mais que recursos era necessário “boa vontade” e que ele não era Ministro apenas da assistência social e que “puxou” o Programa para este ministério pois alguém precisaria começar.
Por fim, os trabalhadores do SUAS ali presentes, bem como alguns gestores, ficaram estupefatos frente à tamanho desatino que será colocado como nova base da ação dos trabalhadores sociais, desconsiderando os serviços e benefícios socioassistenciais. A impressão é que mais uma vez se desconfigura a Assistência Social em detrimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e outras legislações pertinentes.
Evidentemente que a temática possui relevância, entretanto os motivos, as formas, os métodos adotados e apontados pelo Ministro, como um programa de governo (ilegítimo, inclusive) de cima para baixo, sem debate público, bem ao gosto dos conservadores apenas com um ‘execute-se’, sem qualquer análise ou debate com gestores, trabalhadores, usuários e entidades, deixam a certeza que não é a primeira infância que está em tela e sim a politicagem barata da sanha golpista na área social.
Florianópolis, agosto de 2016
Depoimentos dos trabalhadores do SUAS presente ao evento